
Estudantes de teatro têm mais oportunidades
Afirma Mestre Dadivo José, docente de Teatro na ECA
O renomado actor moçambicano e docente do curso de Teatro na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade Eduardo Mondlane, Mestre Dadivo José, partilha, nesta entrevista, uma análise profunda sobre as oportunidades que se abrem para os estudantes de teatro, num momento em que a indústria áudio-visual (teledramaturgia, rádio e cinema) moçambicana está em expansão. Destaca o papel estratégico do curso na formação de profissionais criativos e versáteis, capazes de inovar, empreender e responder aos desafios de um mercado em transformação. Apesar das dificuldades ainda enfrentadas pela classe artística, sobretudo no que se refere à valorização do teatro, Dadivo mostra como os graduados da ECA têm vindo a ocupar espaços relevantes em produções audiovisuais, campanhas sociais e até em instituições públicas e privadas.
Qual é o diferencial do curso de Teatro da ECA?
Estamos prestes a celebrar 20 anos do Curso de licenciatura em Teatro, o que já representa uma trajectória sólida. Embora existam outras instituições que oferecem formações semelhantes, como o curso de Teatro Físico (dança) no ISARC e a UP, que
forma professores de teatro, a ECA é, actualmente, a única que forma actores, dramaturgos e encenadores, com um enfoque técnico e artístico aprofundado.
Antigamente, havia muitas queixas sobre a falta de palcos e equipamentos, mas, hoje, os nossos estudantes mostram grande capacidade de inovação, criando alternativas como festivais e outros formatos de apresentação.
Que tipo de profissionais o curso tem colocado no mercado?
A indústria das artes cénicas moçambicana carece, de facto, de cenógrafos, dramaturgos e directores de actores. A ECA tem contribuído significativamente para suprir essa lacuna, formando profissionais com sólida base técnica e científica. Isso faz a diferença.
Não desvalorizamos o conhecimento adquirido na prática ou noutras escolas, mas é inegável que os nossos estudantes saem com uma preparação mais abrangente e estruturada, o que se reflecte na qualidade do seu trabalho.
Como tem sido o envolvimento dos estudantes neste curso?
Temos observado uma participação crescente, apesar de algumas oscilações ao longo dos anos, muitas vezes relacionadas com a divulgação do curso e à percepção social sobre o teatro. Ainda existe um certo preconceito em relação ao teatro, especialmente quando comparadas à música ou à dança. No entanto, nota-se uma evolução positiva: hoje vemos artistas, actores e até influenciadores digitais a procurar a ECA para se qualificar. Isso demonstra que o curso está a ganhar reconhecimento e atractividade.
Como avalia a inserção dos graduados no mercado de trabalho?
Costumo perguntar aos candidatos se pretendem fazer o curso para o emprego ou criar trabalho. Se for por questão de emprego, digo logo que estão num curso errado, mas se o interesse for de criar trabalho ou adquirir ferramentas para estar bem-sucedido no mercado de trabalho, nós conseguimos dar a capacidade e espontaneidade para falar e criar as suas ideias. O país está, neste momento, com desafios no que diz respeito à valorização de algumas artes, como é o caso de teatro. Porém, oferece oportunidades para quem está nas actividades artísticas. Se for a ver, de 2021 a esta parte, tem havido produção de novelas e seriados e mais de 70 por cento são graduados, estudantes ou docentes da nossa instituição, o que constitui um ganho para nós. Além disso, muitos trabalham com teatro comunitário, campanhas de saúde pública e democracia. Temos também estudantes que trabalham como assessores de comunicação em ONGs, graças às valências do curso.
Há algum acompanhamento institucional dos antigos estudantes para medir o impacto do curso nas suas carreiras?
Assumimos que temos de fazer muito bem a nossa parte, ensinar bem e mostrar o caminho. Na actual revisão curricular, juntamo-nos ao curso de Marketing para ver como se faz o marketing para as artes e aos cursos de Biblioteconomia e Arquivística, para produção e arquivo de conteúdos, necessários, por exemplo, para concorrer em festivais internacionais ou espetáculos. Estas ferramentas foram justamente criadas para que o graduado tenha sucesso e, neste caso, garanto que, boa parte, consegue se inserir no mercado e trabalha em sectores relacionados com a área de formação. Já tivemos militares e polícias formados aqui e ficamos a saber que estão a fazer parte dos grupos de actividades cerimoniais do Estado.
Na sua visão, o curso tem contribuído para o fortalecimento da cena cultural e artística em Moçambique?
Sem dúvida. Temos estudantes que integram companhias teatrais de destaque e instituições como o Ministério da Cultura. Alguns têm contribuído para a massificação do teatro nas comunidades, criando projectos próprios e actuando em diversas frentes. O curso tem impulsionado o crescimento do sector e está em constante evolução. Em breve, pretendemos lançar novas especializações, como Técnicos de Cenografia, Iluminação e Som. O teatro, como arte transversal, também apoia outras disciplinas artísticas e culturais, como a dança, a música e as artes visuais. Isso reforça a importância da nossa formação e garante a sua continuidade.
Dadivo cessou recentemente do cargo de Director do Curso de Teatro, o que mais o marcou nessa função?
Foram muitos os momentos marcantes. Lembro-me, especialmente, de estudantes que chegaram sem recursos, sem sequer terem onde ficar ou como pagar a inscrição. Nesses casos, eu e alguns colegas tornámo-nos verdadeiros encarregados, ajudando-os a continuar os estudos. Isso humaniza muito a nossa prática docente. Espero que essa postura continue com a nova direcção. Precisamos de continuar a inspirar os nossos estudantes, pois é isso que atrai mais candidatos e garante a vitalidade do curso. Diria que eu e os meus colegas ficamos felizes em ver pessoas carregadas de sonhos entrando na ECA, concluindo e trabalhando de igual para igual nos palcos. Por isso mesmo, o nosso ser artístico hoje é muito mais do que para a realização individual. Fazemo-lo também para inspirar os nossos estudantes. Também me marcou saber que inspirei a cada grupo que foi entrando para este curso. Criamos um grupo de trabalho que, mesmo com dificuldades, soube receber e encaminhar as expectativas dos estudantes.