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Urge repensar o Direito formal com base no direito costumeiro moçambicano

afirmam oradores

Os oradores da Mesa Redonda sobre os 50 anos da independência nacional, promovida pela Faculdade de Direito da UEM, subordinada ao tema “O Direito na Construção de Moçambique: conquistas, desafios e perspectivas” foram unânimes em afirmar que urge repensar o Direito formal, a partir de uma perspectiva do direito costumeiro moçambicano que pode servir de base para, daí, emergir o Direito moçambicano propriamente dito.

Moçambique herdou um Direito inspirado no sistema romano-germânico que, conforme os oradores, está desfasado da realidade costumeira moçambicana e é incapaz de defender os interesses do país além-fronteiras, especificamente no que diz respeito aos grandes contratos.

Ademais, o país continua a adoptar o sistema romano-germânico enquanto o mundo avança para um sistema de Direito formal híbrido que está mais próximo dos desafios contemporâneos.

Entretanto, reforçam os oradores, Moçambique deve repensar o seu Direito não apenas na perspectiva da sua relação com o mundo exterior, mas, em primeiro plano, deve satisfazer as demandas internas regulando de forma eficaz a vida social.

O Prof. Doutor Benjamim Alfredo, profundo conhecedor do Direito nacional, “deu o peito às balas” e admitiu que, Moçambique, ainda não possui um Direito formal desenhado a partir da base costumeira local, realçando que, nos últimos 50 anos, o país recorreu a normas para regular a vida social.

“O nosso Direito acaba mostrando as suas fragilidades quando, nos contratos que assinamos com as multinacionais, as claúsulas que aparecem são de um sistema totalmente diferente do nosso e temos imensas dificuldades para interpretar e compreender o alcance e os objectivos dessas claúsulas”, disse.

Nesse sentido, o jurista desafia os académicos a investigarem a fundo a cultura moçambicana para encontrarem a base costumeira através da qual pode nascer o Direito tipicamente moçambicano.

Na mesma perspectiva, alinhou o renomado filósofo Severino Nguenha que, na sua opinião, além do Direito ajudar na construção de uma sociedade pacífica e se compatibilizar com a dinâmica socio- antropológica local, deve estar conectado com a realidade do país e do mundo.

“Parece que nós sabemos muitas coisas, mas as coisas que são essencias e indispensáveis para o momento que nós vivemos, para podermos ser instrumentos para o Estado e para povo, estamos aquém disso”, referiu.

Passados 50 anos da independência nacional, o filósofo nota que em Moçambique continua a persistir uma discrepância abismal entre a lei positiva e a socio-antropologia nacional e uma geografia assimétrica do Direito, porquanto este é praticado em certas cidades e meios sociais, mas permanece distante das comunidades rurais do país.

Segundo Nguenha, trata-se de um dilema que só pode encontrar solução se pensar o Direito numa perspetiva moçambicana e extraído a partir da maneira como as populações vivem. “Este é um desafio à necessidade de termos uma escola de Direito que pense a partir das nossas culturas, da maneira como os nossos pais e avôs vivem”, frisou.

Por sua vez, o Prof. Doutor Teodoro Waty, destacou que, em todas as etapas fundamentais da construção e do crescimento do país, o Direito esteve sempre presente. Lembrou que esteve presente na proclamação da independência nacional, na fundação da democracia monopartidária, hasteou o pluripartidarismo representativo e tem vindo a aceitar uma democracia guiada pela lógica da força, desenhada por eleições livres, justas e transparentes.

Todavia, Waty assume que o Direito aprofundou desigualdades económicas, afectou o desenvolvimento e o bem-estar das comunidades, aprofundou a discriminação e a exclusão social e dificultou a implementação eficaz de boas políticas.

A mesa redonda, que juntou estudantes e docentes da Faculdade de Direito e não só, insere-se nas actividades da partilha de conhecimento, através da promoção de debates, reafirmando o compromisso com a geração de conhecimento relevante e a sua aplicação na resolução dos grandes desafios nacionais.